domingo, 11 de dezembro de 2016

"Desde que vivo em Lisboa sinto-me muito mais brasileira"

Mallu Magalhães | FILIPE AMORIM/ ARQUIVO GLOBAL IMAGENS PUB Entrevista à cantora brasileira Mallu Magalhães, um dos nomes no cartaz do Mexefest. Há mais de um ano a viver em Lisboa, Mallu Magalhães vai estar praticamente a jogar em casa nesta sua estreia no Mexefest (que decorre sexta-feira e sábado), um festival de que gosta muito e onde até já esteve "mas no lado público", como esclarece ao DN. Depois do disco e da extensa digressão com a Banda do Mar, um projeto formado com o marido, o músico brasileiro Marcelo Camelo, e com o baterista português Fred Ferreira, a artista de São Paulo está neste momento a gravar um novo disco em nome próprio, o primeiro em cinco anos, que sucederá ao aclamado Pitanga, editado em 2011. Que espetáculo é este que vai apresentar no Mexefest? Este espetáculo, que é só composto por voz e guitarra, começou por ter um lado prático muito grande. Eu tive uma bebé há 10 meses e quando comecei a planear o show, sabia que não podia fazer algo muito ambicioso, porque não ia poder estar muito tempo fora de casa, a ensaiar. Por outro lado, já há muito tempo que eu não tocava ao vivo. O meu próximo disco só sai em abril de 2017 e, se não fosse este espetáculo, seria só nessa altura que ia voltar aos palcos. Também nunca antes tinha atuado neste formato. Foi assim que comecei a tocar, no início da minha carreira, mas nunca tinha planeado um espetáculo de raiz, apenas com a voz e o violão como estética. E nem sequer faria muito sentido fazer agora um concerto de banda, sem ter nada de novo para apresentar. E porquê este nome: Saudade? Porque é uma espécie de balanço de como a minha carreira chegou até aqui, que nasce dessa vontade de tocar, mas também da saudade que sinto do meu país. Saí do Brasil para viver num local novo, que é Lisboa, e esse sentimento está atualmente muito presente na minha vida. Tenho saudades do meu país, onde vive a minha família e a maior parte dos meus amigos, mas quando lá vou também já sinto saudades da minha casa em Lisboa e da vida que aqui criei. Mas também tem a ver com as saudades do futuro, das coisas que quero e ainda não tenho, do que já tive e não tenho mais. A saudade não tem necessariamente de ser algo mau, muito pelo contrário, até pode ser um sentimento muito bonito, que resume muito bem o atual momento da minha vida. E já vai apresentar alguns temas do novo álbum? Algumas, sim, mas não posso apresentar tudo, se não estrago a surpresa (risos). Vamos tocar o Casa Pronta, que já foi lançado, e mais um ou outro tema do novo disco, mas também algumas canções que, não sendo novas, nunca foram antes gravadas e serão também uma novidade para o público. Vou fazer também um momento inédito à capela, que para grande surpresa minha correu muito bem nos ensaios e não ficou ridículo (risos). Vai ser como uma viagem pelos vários momentos da minha carreira, desde o indie-folk do início, quando cantava em inglês, aos ambientes mais rock da Banda do Mar ou ao lado mais contemplativo do Pitanga, o meu último disco. Que foi lançado já há cinco anos, em 2011. Porque demorou tanto tempo para voltar a gravar um disco? Por muitas razões. Eu tinha apenas 18 anos quando gravei esse disco e muita coisa mudou na minha vida. Não necessariamente por ser muito nova na altura, mas porque a minha relação com a música é hoje completamente diferente. Nessa época estava com muito pouca esperança em relação à carreira musical, aliás, até então nunca tinha realmente visto a música como uma profissão. Achava que era uma coisa passageira. O que é que pensava fazer na vida então? Não sei, algo mais realista que a música, talvez ter uma empresa ligada à moda ou ao espetáculo, abrir um restaurante ou um pequeno hotel. Ainda hoje, quando olho à volta, penso nisso muitas vezes nisso, no que poderia fazer além da música. Mas nessa época tinha mesmo a certeza que ia fazer outra coisa qualquer. Mas porquê? Por falta de inspiração ou por não gostar do meio musical? Ah, criatividade eu tenho para dar e vender, tenho uma grande facilidade em compor, faço-o todos os dias. O que me desiludiu mais foi mesmo isso, o mercado musical. Sentia que ainda não tinha encontrado o meu lugar e que tinha poucas possibilidades de crescer mais enquanto artista... Mas acaba por ser o disco Pitanga que lhe garante esse lugar, não concorda? Exatamente e isso é que foi o mais estranho, porque a minha atitude foi: "não quero saber mais disto". Não tinha qualquer objetivo de carreira, a não ser o de fazer o disco como queria e com as pessoas de que gostava. E acabou por ser mesmo com esse disco que encontrei o meu lugar. A partir daí passei a sentir-me muito mais confortável com a minha música, em primeiro porque tinha encontrado o método perfeito para mim, que era o de fazer tudo pessoalmente. Foi o Marcelo Camelo (músico brasileiro e marido de Mallu) quem me mostrou isso e, de repente, tudo mudou porque percebi que tinha essa capacidade. Mas também que quanto mais a minha mão estivesse presente, mais interessantes elas ficavam, tornando tudo muito mais leve e divertido. Com esse disco percebi que era possível, afinal, ter uma carreira musical sem ela ser tão pesada e desgastante. O que é que a incomodava mais? Talvez a exposição pública. Não estava preparada e não soube lidar com esse lado da fama, porque era muito nova e vinha de um ambiente familiar completamente oposto. O meu pai é engenheiro e a minha mãe paisagista. O meu pai também toca violão, aos fins de semana, e tal como ele, a relação que eu tinha com a música era apenas de prazer. Vem daí essa dificuldade em aceitar a música como uma profissão? Sim, claro, mas o facto de não se ver a música como uma profissão não é necessariamente mau. Essa é a principal diferença entre o período anterior ao Pitanga e aquele que vivo agora. Já tenho a música como profissão há mais de 10 anos, estou muito mais madura, tanto a nível musical como emocional, porque entretanto também tive esse camião de amadurecimento que é a vida adulta e especialmente o facto de ter sido mãe. Qualquer pessoa que passe pela maternidade ou paternidade sabe o quanto tudo muda na nossa vida, em termos de prioridades. Todos estes fatores contribuíram para fazer um disco muito diferente. E o facto de agora viver em Lisboa também contribuiu? Claro que sim. Quando vivia no Brasil, por exemplo, fazia muita música em inglês e agora, talvez por essa saudade que sinto do meu país e de querer afirmar, perante mim própria, essa identidade brasileira, este disco tem muitas mais referências do samba e da bossa-nova. É engraçado, porque desde que vivo em Lisboa sinto-me muito mais brasileira e isso percebe-se muito bem no novo disco.

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